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O Evangelho de Nicodemos.
Evangelhos do Ministério
de Jesus Cristo.
LIVRO 5
Capítulo 1
Após haver reunido em conselho, os príncipes dos sacerdotes e os escribas, Anás, Caifás, Semes, Dothaim, Gamaliel, Judas, Levi, Neftali, Alexandre e Jairo e os restantes dentre os judeus, apresentaram-se diante de Pilatos.
E alguns deles acusando Jesus de muitos feitos, dizendo: “Sabemos que ele é filho de José, o carpinteiro e que nasceu de Maria, e chama-se a si Filho de Deus e rei e além disso, profana o Shabat e ainda pretende abolir a lei de nossos pais.”
Replicou-lhes Pilatos: “E o que ele faz e o que pretende abolir?”
Os judeus disseram: “Temos uma lei que proíbe a cura no Shabat, pois bem, este, servindo-se das más artes, curou durante o Shabat coxos, machucados, cegos, paralíticos, surdos e endemoninhados.”
Disse-lhes Pilatos: “Se realiza honestamente suas curas, não faz mal algum.”
Os judeus replicaram: “Se realizasse suas curas honestamente, não seria mau maior, mas para fazê-las usa a virtude de Baalzebub, príncipe dos demônios, que expulsa a estes e a todos que lhes são submissos.”
Disse-lhes Pilatos: “Isto não é tirar os demônios pela virtude de um espírito imundo, mas sim pela virtude do deus Esculápio.”
Os judeus disseram a Pilatos: “Rogamos à tua autoridade que ele seja apresentado diante do teu tribunal para poder ser ouvido.”
Pilatos então chamou-os e disse-lhes: “Dizei-me vós como eu, um mero governador, posso submeter nada menos que um rei a interrogatório?”
Eles responderam: “Nós não dissemos ser um rei, mas sim que ele mesmo se dá esse título.”
Então Pilatos chamou o mensageiro para dizer-lhe: “Que me seja apresentado aqui, Jesus, com toda a deferência.”
O mensageiro saiu, então, e logo que o identificou, o adorou e depois, tirou o manto que levava em suas mãos e estendeu-o no chão, dizendo: “Senhor, passa por cima e entra, que o governador te chama.”
Os judeus, vendo o que o mensageiro havia feito, puseram-se a gritar contra Pilatos, dizendo: “Por que te serviste de um mensageiro para fazê-lo entrar, e não de um simples pregoeiro? Sabes que o mensageiro, assim que o viu, passou a adorá-lo e estendeu seu manto sobre o chão, fazendo-o caminhar por cima como se fosse um rei?”
Pilatos, então, chamou o mensageiro e lhe disse: “Por que fizeste isso e estendeste o manto sobre o chão, fazendo Jesus passar por cima?”
O mensageiro respondeu: “Senhor governador, quando me enviaste a Jerusalém com Alexandre, eu o vi montando um burro, e os filhos dos hebreus iam aclamando-o com ramos nas mãos, enquanto outros estendiam suas vestes no chão, dizendo: ‘Salva-nos, tu que estás nas alturas, bendito vindo em nome do Senhor’.”
Os judeus então começaram a gritar e disseram ao mensageiro: “Os jovens hebreus clamavam em sua língua, como então te informaste da sua equivalência em grego?”
O mensageiro respondeu: “Perguntei a um dos judeus, dizendo-lhe: ‘Que estão gritando em hebraico?’ E ele me traduziu.”
Pilatos disse-lhes: “Como soa em hebraico o que eles diziam em altos brados?”
Os judeus responderam: “Hosanna membrome; baruchamma; Adonai.”
Então Pilatos lhes disse: “E o que significa Hosanna e as outras palavras?”
Os judeus responderam: “Salva-nos, tu que estás nas alturas; bendito vindo em nome do Senhor.”
Pilatos disse-lhes: “Se vós mesmos dais testemunho das vozes que saíram da boca dos jovens, que erro cometeu o mensageiro?” Eles se calaram.
Então, o governador disse ao mensageiro: “Sai e faze-o entrar da maneira que lhe agradar.”
Saiu, então, o mensageiro e procedeu da mesma maneira que anteriormente, dizendo a Jesus: “Senhor, entra; o governador te chama.”
Mas no momento em que Jesus entrava, os guardas que seguravam os estandartes inclinaram-se e adoraram a Jesus.
Os judeus que presenciaram esse gesto de reverência e adoração a Jesus, começaram a gritar desaforos contra os que portavam as bandeiras.
Mas Pilatos lhes disse: “Não vos causa admiração ver como eles se inclinaram e adoraram Jesus?”
Os judeus responderam a Pilatos: “Nós mesmos vimos como eles se inclinaram e o adoraram.”
O governador chamou então os guardas que carregavam as bandeiras e lhes disse: “Por que agistes assim?”
Eles responderam a Pilatos: “Somos gregos e servidores das divindades, como então iríamos adorá-lo? Saibas que, enquanto estávamos eretos, nossos corpos se inclinaram por eles mesmos e o adoraram.”
Então Pilatos disse aos escribas e anciãos do povo: “Escolhei vós mesmos alguns varões fortes e robustos, que eles segurem os estandartes e vejamos se estes inclinam-se sozinhos.”
Então, os anciãos escolheram de entre os judeus doze homens fortes e robustos, aos quais obrigaram a sustentar os estandartes em grupos de seis, e ficaram em pé diante do tribunal do governador.
E Pilatos disse ao mensageiro: “Leva-o para fora do pretório e o introduze-o novamente da maneira que te agradar.”
E Jesus saiu do pretório acompanhado do mensageiro. Pilatos chamou então aqueles que anteriormente estavam com os estandartes e lhes disse: “Jurei pela saúde de César que, se os estandartes não se dobrarem à entrada de Jesus, cortarei vossas cabeças.”
E o governador ordenou novamente que Jesus entrasse. O mensageiro observou a mesma conduta do início e rogou encarecidamente a Jesus que passasse por cima de seu manto.
E caminhando sobre ele, Jesus entrou. Mas no momento de entrar, novamente os estandartes se dobraram e o adoraram.
Capítulo 2
Quando Pilatos viu a cena, encheu-se de temor e dispôs-se a deixar o tribunal.
Mas enquanto ainda pensava em levantar-se, sua mulher, Cláudia Prócula, enviou-lhe uma mensagem: “Não te envolvas com esse justo, pois durante a noite sofri muito por sua causa.”
Então Pilatos chamou todos os judeus e lhes disse: “Sabes que minha mulher é piedosa e que tende mais para o bem do que para segui-los em vossos costumes judeus?”
Eles disseram: “Sim, sabemos.”
Pilatos disse-lhes: “Pois bem, minha mulher acaba de enviar-me este recado: ‘Não te envolvas com esse justo, pois durante a noite sofri muito por sua causa’.”
Mas os judeus responderam a Pilatos dizendo: “Não te dissemos ser um mágico? Sem dúvida, enviou um sonho fantástico à tua mulher.”
Pilatos então chamou Jesus e lhe disse: “Como estes testemunham contra ti? Não dizes nada?”
Jesus respondeu: “Se não tivessem poder para isso, não diriam nada, pois cada um é dono da sua boca para falar coisas boas e más, eles verão.”
Mas os anciãos dos judeus responderam, dizendo a Jesus: “O que vamos ver? Primeiro, que tu veio ao mundo por fornicação, segundo, que o teu nascimento em Belém trouxe como consequência uma matança de crianças, terceiro, que teu pai José e tua mãe Maria fugiram para o Egito por encontrarem-se ameaçados na cidade.”
Então, alguns dos que ali estavam presentes, e que eram judeus piedosos, disseram: “Nós não concordamos que haja nascido de fornicação, mas sim sabemos que José desposou Maria e que não foi gerado por meio de fornicação.”
Pilatos disse aos judeus que afirmavam a sua origem por meio de fornicação: “Isto que dizeis não é verdade, posto que os esponsais foram celebrados, segundo afirmam vossos próprios compatriotas.”
Então, Anás e Caifás disseram a Pilatos: “Todos juntos afirmamos e não cremos que ele tenha nascido de fornicação, estes são prosélitos e seus discípulos.”
Pilatos chamou Anás e Caifás e disse-lhes: “O que significa a palavra prosélito?”
Eles responderam: “Que nasceram de pais gregos e fizeram-se judeus agora.”
Ao que contestaram os que afirmam que Jesus não havia nascido de fornicação (isto é: Lázaro, Astério, Antônio, Tiago, Amnés, Zeras, Samuel, Isaac, Phineas, Crispo, Agripa e Judas): “Nós não nascemos prosélitos, mas sim somos filhos de judeus e dizemos a verdade, pois nos encontrávamos presentes nas bodas de José e de Maria.”
Pilatos chamou estes doze que afirmavam não haver Jesus nascido de fornicação e disse-lhes: “Eu os conjuro pela saúde de César, dizei-me, é verdade o que afirmastes, que não nasceu de fornicação?”
Eles responderam: “Nós temos uma lei que proíbe jurar, porque é pecado, deixe que estes jurem pela saúde de César que não é verdade o que acabamos de dizer, e seremos réus de morte.”
Então Pilatos disse a Anás e Caifás: “Nada respondem a isto?”
Eles replicaram: “Tu dás crédito a estes doze que afirmam o nascimento legítimo de Jesus, enquanto isso, todos, em massa, estamos bradando ser filho de fornicação, que é feiticeiro e que se chama a si próprio Filho de Deus.”
Então, Pilatos ordenou que toda a multidão saísse, à exceção dos doze que negavam a origem da fornicação, e ordenou que Jesus fosse separado.
Depois, lhes disse: “Por que razão querem dar-lhe a morte?”
Eles responderam: “Têm inveja dele por curar no Shabat.”
Ao que respondeu Pilatos: “E por uma boa obra, querem matá-lo?”
Capítulo 3
Então, Pilatos cheio de ira, saiu do pretório e disse-lhes: “Tomo por testemunha o sol de que não encontro nenhuma culpa neste homem.”
Os judeus responderam e disseram ao governador: “Se não fosse um malfeitor, não o haveríamos entregado a ti.”
E Pilatos disse: “Tomai-o vós e julgai-o segundo vossas leis.”
Então os judeus disseram a Pilatos: “Não nos é permitido matar ninguém.”
Ao que Pilatos contestou: “A vós sim Deus proibiu de matar, mas, e a mim?”
E, entrando de novo no pretório, chamou Jesus à parte e disse-lhe: “És tu o rei dos judeus?”
Jesus respondeu: “Dizes isto por conta própria ou pelo que os outros te disseram de mim?”
Pilatos replicou: “Mas será que também sou por acaso judeu? Teu povo e os sacerdotes puseram-te em minhas mãos, que fizeste?”
Jesus respondeu: “Meu reino não é deste mundo, pois, caso contrário, meus servos teriam lutado para que eu não fosse entregue aos judeus; mas o meu reino não é daqui.”
Então Pilatos disse: “Então, logo, tu és rei?”
Jesus respondeu: “Tu dizes que eu sou rei, pois para isto nasci e vim ao mundo, para que todo aquele que é da verdade, ouça a minha voz.”
Pilatos disse-lhe: “O que é a verdade?”
Jesus respondeu: “A verdade provém do céu.”
Pilatos disse: “Não há verdade sobre a terra?”
E Jesus respondeu a Pilatos: “Estás vendo que os que dizem a verdade são julgados pelos Arcontes que exercem o poder sobre a terra.”
Capítulo 4
E deixando Jesus no interior do pretório, Pilatos foi até os judeus e lhes disse: “Eu não encontro culpa alguma nele.”
Os judeus replicaram: “Ele disse: ‘Eu tenho o poder de destruir este templo e reedificá-lo em três dias’.”
Pilatos disse: “Que templo?”
Os judeus responderam: “Aquele edificado por Salomão em quarenta e seis anos, ele diz que vai destruí-lo e reedificá-lo ao final de três dias.”
Pilatos disse: “Eu sou inocente do sangue deste justo; vós vereis.”
E os judeus disseram: “Que seu sangue caia sobre nós e sobre nossos filhos.”
Então, Pilatos chamou os anciãos, os sacerdotes e os fariseus e disse-lhes em segredo: “Não agi assim, pois nenhuma das vossas acusações merece a morte, já que elas se referem às curas e à profanação do Shabat.”
Os anciãos, sacerdotes e fariseus responderam: “Se alguém blasfema contra César, é ou não digno da morte?”
Pilatos disse-lhes: “É digno da morte.”
Os judeus disseram: “Pois, se alguém que blasfema contra César é digno da morte, saiba que este blasfemou contra Deus.”
Depois, o governador mandou que os judeus saíssem do pretório, e chamando Jesus, disse-lhe: “O que vou fazer contigo?”
Jesus respondeu: “Faz como te foi ordenado.”
Pilatos disse: “E como me foi ordenado?”
Jesus respondeu: “Moisés e os profetas falaram sobre a minha morte e sobre a minha ressurreição.”
Os judeus e os ouvintes perguntaram então a Pilatos, dizendo: “Por que continuas ouvindo essa blasfêmia?”
Pilatos respondeu: “Se estas palavras são blasfêmias, prendei-o por blasfêmia, levai-o à vossa sinagoga e julgai-o segundo a vossa lei.”
Os judeus contestaram: “Está escrito em nossa lei que, se um homem peca contra outro homem, merece receber quarenta açoites, menos um. Mas diz que, se alguém blasfema contra Deus, deve ser apedrejado.”
Pilatos disse-lhes: “Tomai-o por vossa conta e castigai-o como quiserdes.”
Os judeus replicaram: “Nós queremos que seja crucificado.”
Pilatos contestou: “Ele não merece a crucificação.”
Então, o governador lançou um olhar ao seu redor sobre a multidão de judeus que estava presente e, ao ver que muitos deles choravam, exclamou: “Nem toda a multidão quer que morra.”
Os anciãos dos judeus disseram: “Por isso viemos todos em massa, para que morra.”
Pilatos perguntou-lhes: “E por que deverá morrer?”
Os judeus responderam: “Porque se chamou a si próprio Filho de Deus e rei.”
Capítulo 5
Um certo judeu de nome Nicodemos pôs-se diante do governador e disse: “Rogo-te, bondoso como és, permite-me dizer umas palavras.”
Pilatos respondeu: “Fala.”
E Nicodemos disse: “Tenho falado nestes termos aos anciãos, aos fariseus, à multidão inteira de Israel reunida na sinagoga: ‘O que pretendeis fazer com este homem? Ele opera muitos milagres e prodígios como nenhum outro foi nem será capaz de fazer. Deixai-o em paz e não trameis nada contra ele, se os seus prodígios têm origem divina, permanecerão firmes, porém, se têm origem humana, se dissiparão. Pois também Moisés, quando foi enviado da parte de Deus ao Egito, realizou muitos prodígios, previamente assinalados por Deus, na presença do Faraó, rei do Egito. E estavam ali alguns homens a serviço do Faraó, Jamnes e Jambres, os quais operaram, por sua vez, não poucos prodígios como os de Moisés, e os habitantes do Egito tinham Jamnes e Jambres por deuses. Mas, como os seus prodígios não provinham de Deus, eles pereceram, bem como os que lhes davam crédito. E agora, deixai livre este homem, pois não é digno de morrer’.”
Os judeus disseram então a Nicodemos: “Tu te fizeste discípulo dele e por isso falas em seu favor.”
Nicodemos disse-lhes: “Mas também o governador fez-se discípulo dele porque fala em sua defesa? Não o colocou César neste cargo?”
Os judeus estavam com muita raiva e rangiam os dentes contra Nicodemos.
Pilatos disse-lhes: “Por que rangeis os dentes contra ele ao ouvir a verdade?”
Os judeus disseram a Nicodemos: “A ti, sua verdade e sua parte.”
Nicodemos disse: “Amém, amém, que assim seja como haveis dito.”
Capítulo 6
Mas um dos judeus adiantou-se e pediu a palavra ao governador. E Pilatos lhe disse: “Se queres dizer algo, diz.”
E o judeu assim falou: “Eu estive durante trinta e oito anos deitado numa maca, cheio de dores. Quando Jesus veio, muitos dos que estavam endemoninhados e sujeitos a diversas doenças foram curados por ele. Então, alguns jovens compadeceram-se de mim e, pegando-me com a maca e tudo, levaram-me até ele. Jesus, ao ver-me, compadeceu-se de mim e disse-me: ‘Pega tua maca e anda’. Peguei minha maca e comecei andar.”
Então, os judeus disseram a Pilatos: “Pergunta-lhe que dia era quando foi curado.”
E o interessado disse: “Era Shabat.”
Os judeus disseram: “Já não te havíamos informado de que curava no Shabat e tirava demônios?”
Outro judeu adiantou-se e disse: “Eu era cego de nascença, ouvia vozes, mas não via ninguém, e, ao escutar passar Jesus, gritei bem alto: ‘Filho de Davi, apieda-te de mim’. E compadeceu-se de mim, impôs suas mãos sobre os meus olhos e recuperei imediatamente a visão.”
Outro judeu adiantou-se e disse: “Estava eu arqueado e endireitou-me com uma palavra”,
E outro disse: “Havia contraído lepra e ele curou-me com uma palavra.”
Capítulo 7
E certa mulher chamada Verônica começou a gritar de longe, dizendo: “Encontrando-me doente com hemorragia, toquei a extremidade de seu manto e a hemorragia que eu vinha tendo por doze anos consecutivos, parou.”
Os judeus disseram: “Existe um preceito que proíbe apresentar uma mulher como testemunha.”
Capítulo 8
E alguns outros, muitos homens e mulheres gritavam, dizendo: “Este homem é profeta e os demônios submetem-se a ele.”
Pilatos disse aos que afirmavam isto: “Por que também vossos mestres não se submeteram a ele?”
Eles responderam: “Não sabemos.”
Outros afirmaram haver ressuscitado Lázaro do sepulcro, defunto já de quatro dias.
Então, cheio de temor, o governador disse à multidão de judeus: “Por que vos empenhais em derramar sangue inocente?”
Capítulo 9
Então, após chamar Nicodemos e aqueles doze homens que afirmavam a origem limpa de Jesus, disse-lhes: “O que devo fazer, pois se está formando um alvoroço entre o povo?”
Disseram-lhe: “Nós não sabemos, eles verão.”
Convocou de novo Pilatos à multidão de judeus e disse-lhes: “Sabeis que tenho por costume soltar um prisioneiro durante a festa dos Pães Ázimos. Pois bem, está preso e condenado um assassino chamado Barrabás, e tenho também este Jesus que está agora na vossa presença, e em quem não encontro culpa alguma. A quem quereis que solte?”
Eles gritaram: “A Barrabás”,
Pilatos disse-lhes: “Que farei, pois, de Jesus, o chamado Cristo?”
Os judeus responderam: “Que seja crucificado!”
E alguns dentre eles disseram: “Não és amigo de César se soltas a este, porque se chamou a si próprio Filho de Deus e rei, se assim procedes, queres a este por rei e não por César.”
Pilatos então, encolerizado, disse aos judeus: “Vossa raça é revoltada por natureza e enfrentais vossos benfeitores.”
Os judeus disseram: “A quais benfeitores?”
Pilatos respondeu: “Vosso Deus tirou-vos do Egito, livrando-vos de uma cruel escravidão, vos manteve são e salvos através do mar, bem como através da terra, alimentou-vos com maná no deserto e deu-vos codornas, deu-vos de beber água tirada de uma rocha e deu-vos uma lei. E, depois de tudo isso, encolerizastes vosso Deus, fostes atrás de um bezerro fundido, exasperastes vosso Deus e Ele dispôs-se a exterminar-vos. Porém, Moisés intercedeu por vós e não fostes entregues à morte. Agora acusais a mim de odiar o imperador?”
Levantando-se do tribunal, dispôs-se a sair. Mas os judeus começaram a gritar, dizendo: “Reconhecemos como rei César e não a Jesus. E ainda mais, os Magos vieram oferecer-lhe dons trazidos do Oriente como para o seu rei, e quando Herodes tomou conhecimento através dessas personagens de que um rei havia nascido, tentou acabar com ele. Mas seu pai, José, tomou ciência do fato e levou-o juntamente com a mãe, e fugiram todos para o Egito. E quando Herodes soube disso, exterminou os filhos dos hebreus que haviam nascido em Belém.”
Quando Pilatos ouviu estas palavras, temeu, e após impor silêncio às multidões de judeus, já que estavam gritando, disse-lhes: “Então é este aquele a quem Herodes buscava?”
Os judeus responderam: “Sim, é este.”
Então Pilatos pegou água e lavou suas mãos, de frente para o sol, dizendo: “Sou inocente do sangue deste justo, vós vereis.”
E novamente os judeus começaram a gritar: “Que seu sangue caia sobre nós e sobre nossos filhos.”
Então, Pilatos mandou que fosse corrido o véu do tribunal onde estava sentado e disse a Jesus: “Teu povo desmentiu-te como rei. Por isso, decretei que, em primeiro lugar, sejas flagelado, segundo o antigo costume dos reis piedosos, e que depois sejas dependurado na cruz no horto onde foste aprisionado. E Dimas e Gestas, ambos malfeitores, serão crucificados juntamente contigo.”
Capítulo 10
Assim, Jesus saiu do pretório acompanhado de dois malfeitores. E, chegando ao lugar convencionado, despojaram-no de suas vestes, enrolaram-no em um lençol e puseram uma coroa de espinhos ao redor de suas têmporas.
Dependuraram ambos os malfeitores, de maneira semelhante.
Enquanto isso, Jesus dizia: “Pai, perdoai-os, porque não sabem o que fazem.”
E os soldados repartiram entre si as suas vestes, e todo o povo estava em pé contemplando-o.
E os sumos sacerdotes e também os anciões zombaram dele, dizendo: “Salvou os outros, salve-se, então, a si próprio. Se este é o Filho de Deus, que desça da cruz.”
Os soldados, por sua vez, aproximavam-se, dirigindo-lhe escárnios e oferecendo-lhe vinagre misturado com fel, enquanto diziam: “Tu és o rei dos judeus: salva-te a ti mesmo.”
E após proferir a sentença, o governador mandou que, na forma de um título, fosse escrita em cima da cruz a sua acusação em grego, latim e hebraico, conforme o que os judeus haviam dito: “Jesus Cristo, Rei dos judeus.”
E um daqueles malfeitores que haviam sido dependurados disse-lhe assim: “Se tu és o Cristo, salva-te a ti mesmo e a nós.”
Mas Dimas, em resposta, repreendeu-o dizendo: “Tu não temes a Deus, ainda que estejas na mesma condenação? E a nós, certamente, ela nos cabe bem, pois recebemos a recompensa justa pelas nossas obras, mas este nada fez de mal.”
E dizia: “Senhor, lembra-te de mim no teu reino.”
E Jesus disse-lhe: “Em verdade, em verdade te digo que hoje estarás comigo nos Aeons Eternos.”
Capítulo 11
Era a hora sexta, quando as trevas se fecharam sobre a terra até a nona hora, por haver escurecido o sol, e o véu do templo rasgou-se ao meio.
Jesus, então, com voz grave, disse: “baddach efkid ruel”, que significa: “Em tuas mãos entrego o meu espírito.”
E, assim dizendo, entregou sua alma. O centurião, ao ver o que aconteceu, louvou a Deus dizendo: “Este homem era justo.”
E a multidão que assistia ao espetáculo, ao contemplar o acontecido, passou a bater no peito.
O centurião, por sua vez, transmitiu ao governador o ocorrido.
Este, ao ouvi-lo, entristeceu-se assim como sua mulher, e ambos passaram todo aquele dia sem comer nem beber.
Depois, Pilatos fez chamar os judeus e disse-lhes: “Vistes o que se passou?”
Mas eles responderam: “Pois um simples eclipse do sol, como de costume.”
Enquanto isso, os conhecidos de Jesus permaneciam à distância, e as mulheres que o haviam acompanhado desde a Galileia estavam contemplando tudo isto.
Mas havia um homem chamado José, senador, vindo de Arimateia, que esperava o reino de Deus.
Aproximou-se, então, de Pilatos e solicitou-lhe o corpo de Jesus. Ele estava acompanhado de Nicodemos, aquele que antes havia visitado Jesus à noite.
Nicodemos levou cerca de cem libras de uma mistura de mirra e aloés.
Depois foram baixar o corpo da cruz, e tomando o corpo de Jesus, os dois o envolveram em faixas de linho, com as especiarias, conforme os costumes judaicos de sepultamento.
E o colocaram no sepulcro talhado em pedra que ainda não havia sido usado.
Capítulo 12
Quando os judeus ouviram dizer que José havia reclamado o corpo de Jesus, começaram a procurá-lo, assim como também aqueles que haviam declarado que Jesus não havia nascido de fornicação.
Nicodemos e muitos outros que se haviam apresentado diante de Pilatos para dar testemunho das suas boas obras.
E, como todos se houvessem escondido, somente Nicodemos apareceu, porque era varão principal entre os judeus.
Assim, Nicodemos disse-lhes: “Como haveis entrado na sinagoga?”
Os judeus responderam: “E tu? Como entraste na sinagoga? Considerando que és seu cúmplice, seja também sua parte contida no século vindouro.”
E Nicodemos disse: “Assim seja, assim seja.”
José de Arimateia, por sua vez, apresentou-se de maneira semelhante e disse-lhes: “Por que ficas apreensivos comigo por reclamar o corpo de Jesus? Pois sabei que o depositei no meu novo sepulcro, após tê-lo envolvido num lençol branco, e fiz correr a pedra sobre a entrada da gruta. Mas não vos portastes bem com aquele justo, pois que, não contentes em crucificá-lo, também o atravessastes com uma lança.”
Os judeus então detiveram José de Arimateia e mandaram que fosse aprisionado até o primeiro dia da semana.
Depois, disseram-lhe: “Bem sabes que o avançado da hora não nos permite fazer nada contra ti, pois o Shabat já está amanhecendo, mas saiba que nem sequer se fará o favor de dar-te sepultura, mas sim exporemos teu corpo às aves do céu.”
José replicou: “Esta maneira de falar é a do soberbo Golias, que injuriou o Deus vivo e o santo Davi: ‘Pois o Senhor disse através do profeta: A mim corresponde à vingança e eu retribuirei’. E ainda há pouco, aquele que não é circuncidado segundo a carne, mas é circunciso de coração, tomou água, lavou as mãos de frente para o sol e disse: ‘Sou inocente do sangue deste justo; vós havereis de ver’. Mas vós respondestes a Pilatos: ‘Que seu sangue caia sobre nós e sobre nossos filhos’. Agora, então, temo que a ira do Senhor recaia sobre vós e sobre vossos filhos, como disseste.”
Ao ouvir essas palavras, os judeus sentiram seus corações encherem-se de raiva, e, após capturar José de Arimateia, detiveram-no e prenderam-no em uma casa onde não havia nenhuma janela. Depois, selaram a porta onde José estava preso e alguns guardas permaneceram junto dela.
E no Shabat os escribas, os sacerdotes e os fariseus estabeleceram que no dia seguinte todos deveriam encontrar-se na sinagoga.
E bem de madrugada, a multidão inteira pôs-se a deliberar que tipo de morte haveriam de dar-lhe.
Estando o conselho reunido, ordenaram que o fizessem comparecer com grande desonra. E abriram a porta, mas não o encontraram.
Então, o povo ficou fora de si e todos se encheram de admiração ao encontrar os selos intactos e a chave em poder de Caifás.
Com isto, não se atreveram a pôr as mãos sobre aqueles que haviam falado diante de Pilatos em defesa de Jesus.
Capítulo 13
E enquanto estavam ainda sentados na sinagoga, cheios de admiração pelo caso de José de Arimateia, chegaram alguns dos soldados da guarda, aqueles a quem os judeus haviam encomendado a Pilatos a custódia do sepulcro de Jesus, e disseram que não foram seus discípulos que o haviam tirado de lá.
Então, um dos soldados que guardavam o túmulo chegou à sinagoga e disse: “Vocês devem saber que Jesus ressuscitou.”
Então, os judeus questionaram: “Como?”
Ele respondeu: “Primeiro houve um terremoto. Então, um anjo do Senhor, brilhando como um relâmpago, veio do céu, rolou a pedra da cripta e sentou-se nela. Atingidos pelo medo diante dele, todos nós, soldados, nos tornamos como mortos, não podíamos fugir nem falar.”
Continuou dizendo: “Mas ouvimos o anjo falando com as mulheres que haviam ido ver o túmulo: ‘Não tenham medo! Sei que vocês estão procurando por Jesus. Ele não está aqui, mas ressuscitou, tal como vos disse de antemão. Abaixe-se e olhe para o túmulo onde colocaram seu corpo. Vão e digam aos seus discípulos que ele ressuscitou dos mortos. Eles devem ir para a Galileia, pois lá o encontrarão. É por isso que estou falando com vocês primeiro’.”
Os judeus perguntaram aos soldados: “Quem eram as mulheres que foram ao túmulo? E por que vocês não as detiveram?”
Os soldados disseram: “Ficamos aterrorizados somente com a aparição do anjo e não conseguimos falar nem nos mover.”
Os judeus disseram: “Tão certo como vive o Deus de Israel, não acreditamos em nada do que vocês dizem.”
Os soldados responderam: “Jesus fez coisas incríveis e vocês não acreditaram, como vocês estariam prestes a acreditar em nós agora? Vocês falam a verdade quando diz: ‘Assim como Deus vive’, pois verdadeiramente, aquele que você crucificou vive.”
Acrescentaram: “Temos ouvido dizer que prendestes José, aquele que reclamou o corpo de Jesus, selando a porta, e que ao abri-la não o encontrastes. Entregai, pois, José e vos entregaremos Jesus.”
Os judeus disseram: “José fugiu da prisão, você o encontrará em sua própria terra, em Arimateia.”
E os soldados da guarda replicaram: “E se vocês forem para a Galileia, encontrarão Jesus, assim como o anjo disse às mulheres.”
Assustados com essas palavras, os judeus disseram aos soldados: “Cuidem de não contar isso a mais ninguém, ou todos acreditarão em Jesus.”
Para isso, deram-lhes uma grande soma em dinheiro.
Mas os soldados disseram: “Temos medo de que Pilatos saiba que pegamos o dinheiro e nos execute.”
Os judeus responderam: “Pegue-o e prometemos defendê-lo diante de Pilatos. Basta dizer que vocês adormeceram e, enquanto dormiam, os discípulos de Jesus vieram e o roubaram do túmulo.”
Então, os soldados pegaram o dinheiro e disseram o que lhes foi ordenado. E esse relato falso foi difundido pelos judeus.
Capítulo 14
Depois de alguns dias, três homens vieram da Galileia para Jerusalém. Um deles era um sacerdote chamado Phineas, outro era um levita chamado Ageu e o outro era um soldado chamado Adas.
Estes foram ter com os principais sacerdotes e disseram-lhes e ao povo: “Vimos Jesus, aquele que vós crucificastes, na Galileia, com os seus discípulos, no Monte chamado Mamilch, e dizia-lhes: ‘Ide pelo mundo e pregai a todas as criaturas, aquele que crer e for batizado, se salvará; mas aquele que não crer, será condenado. E aqueles que tiverem acreditado, estes sinais os acompanharão. Expulsarão demônios em meu nome, falarão outros idiomas, colherão serpentes e, mesmo que beberem alguma coisa capaz de produzir a morte, não lhes fará mal. Impõem suas mãos sobre os enfermos e estes se sentirão bem’. Após dizer estas coisas, ascendeu ao céu. Nós mesmos vimos isso de longe, assim como muitos outros da multidão.”
Quando os principais sacerdotes e os judeus ouviram essas coisas, disseram a esses três homens: “Deem glória ao Deus de Israel e desconsiderem essas palavras falsas.”
Eles responderam: “Oh, Deus Elohim, Deus Adonai Sabaouth, Deus de nossos pais Abraão, Isaac e Jacó, Jesus vive, pois que ouvimos isto e o vimos ao ser elevado ao céu.”
Os anciãos, os sacerdotes e os fariseus disseram: “Viestes para prestar-nos conta de tudo isto ou para cumprir algum voto feito a Deus?”
Eles responderam: “Para cumprir um voto feito a Deus.”
Então, os anciãos, os sacerdotes e os fariseus replicaram: “Se haveis vindo para cumprir um voto a Deus, qual a razão destas histórias mentirosas que haveis contado diante de todo o povo?”
Phineas o sacerdote, Adas, o doutor e Ageu, o levita, dissera aos escribas e fariseus: “Se estes fatos que contamos, e dos quais fomos testemunhas oculares, constituem um pecado, aqui nos tendes em vossa presença. Fazei conosco o que lhes pareça bom diante de vossos olhos.”
Então falou o sumo sacerdote, e trouxeram do templo o antigo livro dos Hebreus e ele os fez prestar juramento.
Ele então lhes deu dinheiro também e os enviou para outro lugar, para impedi-los de pregar a ressurreição de Cristo em Jerusalém.
Quando todo o povo ouviu esses vários relatos, uma multidão se reuniu no templo e houve grande agitação.
Muitos deles diziam: “Jesus ressuscitou dos mortos, tal como ouvimos. Então, por que vocês o crucificaram?”
Os anciãos reuniram-se na sinagoga, fechando a porta atrás de si, e demonstrando grande dor, diziam: “Será possível que este portento aconteceu em Israel?”
Então, Anás e Caifás disseram: “Por que estais tão agitado? Por que chorais? Ó, judeus, não acreditem em tudo o que os soldados estão dizendo, ou não sabeis que seus discípulos os compraram com uma boa quantidade de ouro e deram-lhes instruções para dizerem que um anjo do Senhor desceu e removeu a pedra da entrada do sepulcro?”
Mas os sacerdotes e anciãos disseram: “Pode ser que os discípulos tenham roubado seu corpo, mas, como sua alma entrou no corpo e está vivendo na Galileia?”
E eles, na impossibilidade de dar-lhes resposta para estas coisas, disseram enfim a duras penas: “A nós não nos é permitido acreditar em alguns não circuncidados.”
Capítulo 15
Nicodemos disse: “Ó, filhos de Jerusalém! O profeta Elias subiu às alturas do céu com uma carruagem de fogo e assim, não seria nada incrível se Jesus também ressuscitasse. Para o profeta Elias, foi um prenúncio de Jesus. Então, quando você ouvir que Jesus ressuscitou, não duvide.”
Então Nicodemos deu este conselho: “Seria apropriado enviarmos soldados para a Galileia, onde os homens testemunham que o viram com seus discípulos, eles podem andar e encontrá-lo e então poderemos pedir-lhe perdão pelo mal que vocês fizeram contra ele.”
Essa ideia lhes agradou, eles selecionaram soldados e os enviaram para a Galileia. Eles não encontraram Jesus, porém, encontraram José, em Arimateia.
Quando os soldados retornaram, os principais sacerdotes souberam que José havia sido encontrado.
Então, eles reuniram-se e os sacerdotes perguntaram: “O que podemos fazer para convencer José a vir até nós?”
Após conversarem, escreveram-lhe uma carta que dizia o seguinte: “Pai José: que a paz esteja contigo, com toda a tua casa e com os teus amigos. Sabemos que pecamos contra Deus e contra você, seu servo. Por esta razão, solicitamos que venham aqui até nós, seus servos. Pois ficamos muito surpresos de que você tenha conseguido fugir da prisão e falamos a verdade quando dizemos planejarmos fazer-lhe mal. Mas Deus viu que nossa conspiração contra você era injusta e assim ele te resgatou das nossas mãos. Então venha até nós, pois você é a honra do nosso povo.”
Os judeus enviaram esta carta a Arimateia com sete soldados amigos de José. Quando chegaram e o encontraram, cumprimentaram-no com honra, conforme foram instruídos, e entregaram-lhe a carta.
José, ao pegar a carta, leu, deu glória a Deus e abraçou os soldados. E preparou uma mesa e comeu e bebeu com eles o dia e a noite toda.
Ao amanhecer, José foi com os soldados para Jerusalém. As pessoas saíram ao seu encontro e o abraçaram. Nicodemos o recebeu em sua casa.
No dia seguinte, os principais sacerdotes, Anás e Caifás, chamaram-no ao templo e disseram-lhe: “Dê glória ao Deus de Israel e diga-nos a verdade. Pois sabemos que você providenciou um sepultamento para Jesus, e é por isso que o prendemos e o trancamos na prisão. Quando tentamos tirá-lo para executá-lo, não o encontramos e ficamos surpresos e aterrorizados. Mas oramos a Deus para que pudéssemos encontrá-lo para interrogatório. E então, conte-nos a verdade.”
José, respondendo lhes disse: “Na noite do dia da preparação, quando vocês me prenderam na prisão, caí com o rosto no chão em oração durante toda a noite e todo o dia do Shabat. No meio da noite, vi que quatro anjos haviam levantado a casa da prisão, segurando-a pelos quatro cantos. E Jesus entrou como um relâmpago e caí no chão de medo.”
Continuou dizendo: “Ele me segurou pela mão e me levantou, dizendo: ‘Não tenha medo, José’.”
“Então, colocando seus braços em volta de mim, ele me beijou e disse: ‘Vire-se e veja quem eu sou.’ Quando me virei e o vi, eu disse: ‘Senhor, não sei quem és’.”
“Ele disse: ‘Eu sou Jesus, a quem sepultaste ontem’.”
“Eu lhe disse: ‘Mostre-me o túmulo, e então acreditarei’.”
“Pegou-me pela mão e levou-me ao túmulo, que estava aberto. Quando vi o lençol de linho e o lenço para a cabeça, reconheci-o e disse: ‘Bendito aquele que vem em nome do Senhor’.”
“Então, ele me pegou pela mão, com anjos nos seguindo, e me levou para minha casa em Arimateia; e ele me disse: ‘Fique aqui e não saias de tua casa; pois vou até a Galileia ao encontro de meus discípulos, para dar-lhes confiança para pregar a minha ressurreição e os mistérios do PAI’.”
Capítulo 16
Quando os líderes da sinagoga, os sacerdotes e os fariseus ouviram estas palavras de José, tornaram-se como mortos e caíram por terra, e jejuaram até a nona hora.
Então Nicodemos e José puseram-se a animar Anás e Caifás, os sacerdotes e os fariseus, dizendo: “Levantai, ficai em pé e robustecei vossas almas, pois amanhã é o Shabat do Senhor.”
E com isto levantaram-se, oraram a Deus, comeram, beberam e cada um voltou à sua casa.
No Shabat seguinte, nossos doutores reuniram-se em conselho, bem como os sacerdotes e fariseus, discutindo entre si e dizendo: “Que será esta cólera que se formou sobre nós? Porque, de nossa parte, conhecemos bem seu pai e sua mãe.”
Então, Levi, o doutor disse: “Conheço seus pais e sei que são tementes a Deus, que não descuidam de seus votos e que três vezes por ano dão seus dízimos. Quando Jesus nasceu, trouxeram-no a este lugar e ofereceram a Deus sacrifícios e holocaustos.”
“E o grande doutor Simeão, ao tomá-lo em seus braços, disse: ‘Agora despeça o teu servo em paz, Senhor, segundo tua palavra; pois meus olhos viram tua salvação, que preparaste para a face de todos os povos, luz para a revelação dos gentios e glória do teu povo de Israel’.”
“E Simeão abençoou-os e disse a Maria, sua mãe: ‘Dou-te boas novas com relação a este menino’.
“Maria disse: ‘Boas, senhor?’”
“E Simeão respondeu: ‘Boas,’ olha, este foi colocado para a queda e ressurreição de muitos em Israel e para ser um sinal de contradição. A sua própria alma será atravessada por uma espada, de modo que os pensamentos de muitos sejam revelados.”
Então, disseram a Levi, o doutor: “Como sabes tu disso?”
Ele respondeu: “Não sabeis que aprendi a lei dos seus lábios?”
Os do conselho disseram: “Queremos ver teu pai.”
E fizeram com que o pai de Levi fosse chamado.
Quando o interrogaram, ele respondeu: “Por que não acreditastes em meu filho? O bem-aventurado e justo Simeão em pessoa ensinou-lhe a lei.”
E o conselho disse-lhe: “Mestre Levi, é verdade o que disseste?”
Ele respondeu: “É verdade.”
E os escribas, sacerdotes e fariseus disseram entre si: “Então! Enviemos à Galileia os três homens que vieram trazer ao nosso conhecimento, sua doutrina e sua ascensão, e que nos digam que maneira viram-no elevar-se.”
E esta sugestão agradou a todos.
Enviaram, pois, os três homens que os haviam acompanhado anteriormente até a Galileia com essa missão: “Dizei aos mestres Adas, ao mestre Phineas e ao mestre Ageu: ‘Que a paz esteja convosco e com os que estão em vossa companhia’. Tendo havido uma grande discussão neste conselho, viemos para levar-vos a este lugar santo de Jerusalém.”
Puseram-se, pois, os homens a caminho da Galileia e os encontraram sentados e distraídos com o estudo da lei. Deram-lhes um abraço de paz.
Então disseram os varões galileus a quem haviam ido buscar: “Que a paz esteja em todo Israel.”
E disseram os enviados: “Que a paz esteja convosco.”
E aqueles disseram de novo: “A que viestes?”
Os enviados responderam: “Chama-vos o concelho da santa cidade de Jerusalém.”
Quando aqueles homens ouviram serem procurados pelo conselho, fizeram orações a Deus, sentaram-se à mesa com os enviados, comeram, beberam, levantaram-se e puseram-se tranquilamente a caminho até Jerusalém.
No dia seguinte, o conselho reuniu-se na sinagoga e os interrogaram os homens dizendo: “É verdade que vistes Jesus sentado no monte Mamilch dando instruções aos seus discípulos e que presenciastes sua ascensão?”
E os homens responderam desta maneira: “Da mesma maneira que o vimos ao ser elevado, assim vos contamos.”
Então, Anás disse: “Separemos uns dos outros e vejamos se suas declarações coincidem.”
Tendo sido separados. Depois, em primeiro lugar, chamaram Adas e lhe disseram: “Mestre, como contemplaste a ascensão de Jesus?”
Adas respondeu: “Enquanto ainda estava sentado no monte Mamilch e dava instruções aos seus discípulos, vimos uma nuvem que cobriu a todos com sua sombra. Depois, a mesma nuvem elevou Jesus até o céu, enquanto os discípulos jaziam com suas faces na terra.”
Em seguida, chamaram a Phineas, sacerdote, e perguntaram-lhe também: “Como contemplaste a ascensão de Jesus?” E ele falou de maneira semelhante.
Interrogaram também a Ageu, que respondeu de maneira semelhante.
Então, ele disse ao conselho: “Está contido na lei de Moisés: ‘Da boca de dois ou três, toda a palavra será firme’.”
E o mestre Buthem acrescentou: “Está escrito na lei: ‘E passeava Enoque com Deus, e já não existe, porque Deus levou-o consigo’.”
Igualmente, o mestre Jairo disse: “Também ouvimos falar da morte de Moisés, mas não o vimos, por estar escrito na lei do Senhor: ‘E Moisés morreu pela palavra do Senhor e ninguém jamais conheceu, até o hoje, seu sepulcro’.”
E o mestre Levi disse: “E o que significa o testemunho que o mestre Simeão deu quando viu Jesus: ‘Eis aqui que este está colocado para a queda e ressurreição de muitos em Israel e como sinal de contradição’?”
E o mestre Isaac disse: “Está escrito na lei: 'Eis aqui que eu envio meu mensageiro diante de ti, o qual te precederá para guardar-te em todo o bom caminho, pois meu nome é nele invocado’.”
Então, Anás e Caifás disseram: “Haveis citado justamente o escrito na lei de Moisés, que ninguém viu a morte de Enoque e que ninguém mencionou a morte de Moisés. Mas Jesus falou a Pilatos, e nós sabemos que o vimos receber bofetadas e cusparadas no rosto, que os soldados cingiram-lhe uma coroa de espinhos, que foi flagelado, que recebeu sentença da parte de Pilatos; que foi crucificado no Calvário em companhia de dois ladrões; que se lhe deu de beber fel e vinagre; que o centurião Longinos abriu seu flanco com uma lança, que José, nosso honorável pai, solicitou seu corpo e que, como disse, ressuscitou; que, como dizem os três mestres, viram-no elevar-se ao céu; e, finalmente, que o mestre Levi deu testemunho do que o mestre Simeão disse, e que disse: ‘Eis aqui este que está colocado para a queda e ressurreição de muitos em Israel e como sinal de contradição’.”
E todos os doutores disseram em uníssono ao povo inteiro de Israel: “Se esta ira provém do Senhor e é admirável aos nossos olhos, conhecei sem dar margem a dúvidas, ó, casa de Israel, que está escrito: ‘Maldito todo aquele que está preso a um pedaço de madeira’. E outro lugar da escritura menciona: Deuses que não fizeram o céu e a terra perecerão’.”
E os sacerdotes e fariseus disseram entre si: “Se sua memória perdurar até Sommos, sabei que o seu domínio será eterno e que fará nascer para si um novo povo.”
Então, os escribas, sacerdotes e fariseus exortaram todo o povo de Israel dizendo: “Maldito aquele que adorar qualquer obra saída de mãos humanas e maldito aquele que adorar as criaturas tendo ao lado o Criador.”E o povo em massa respondeu: “Amém, amém.”
Depois, a multidão entoou um hino ao Senhor desta forma: “Bendito o Senhor, que proporcionou descanso ao povo de Israel conforme o que havia prometido, não caiu no vazio nem uma só de todas as boas coisas que disse ao seu servo, Moisés. Que siga ao nosso lado Adonai Sabaouth, nosso Deus, da mesma maneira que estava ao lado dos nossos pais. Que não nos entreguemos à perdição para podermos inclinar nosso coração até Ele, para podermos seguir todos os seus caminhos e para podermos praticar os preceitos e critérios que apregoou aos nossos pais. Naquele dia, o Senhor será rei sobre toda a terra, não haverá outro ao seu lado; seu nome será unicamente Senhor, nosso rei. Ele nos salvará. Não há semelhante a ti, Senhor; és grande, Senhor, e grande o teu nome. Cura-nos pela tua virtude e seremos curados; salva-nos, Senhor, e seremos salvos, pois somos tua pequena parte e tua herança. O Senhor não abandonará jamais o seu povo pela magnitude do seu nome, por começar a fazer de nós o seu povo.”
E todos depois, em coro, cantaram o hino e cada qual foi para casa, dando graças a Deus, porque aquele dia permanece por todos os séculos dos séculos.
Capítulo 17
José disse: “E por que você está surpreso com o fato de Jesus ter ressuscitado? Isso não é incrível. O que é surpreendente é que ele não ressuscitou sozinho, mas ressuscitou muitos outros mortos, que apareceram a muitas pessoas em Jerusalém. Mesmo que você não conheça os outros, há algum tempo você conhece Simeão, que recebeu Jesus, e seus dois filhos, que ele criou. Pois nós os enterramos recentemente. Mas agora seus túmulos podem ser vistos abertos e vazios, e eles estão vivos e morando em Arimateia.”
E então eles despacharam algumas pessoas que encontraram suas criptas abertas e vazias.
José disse: “Deveríamos ir à Arimateia e encontrá-los.”
Então, os principais sacerdotes, Anás e Caifás, e José, Nicodemos, Gamaliel e outros que estavam com eles, levantaram-se e foram para Arimateia, e encontraram aqueles que José havia mencionado.
E então eles oraram e se cumprimentaram, depois vieram com eles para Jerusalém e os levaram à sinagoga, eles trancaram as portas e colocaram o antigo livro dos judeus no meio delas.
Os principais sacerdotes lhes disseram: “Queremos que vocês façam um juramento pelo Deus Elohim e Deus Adonai Sabaoth, Deus de Israel, e assim falem a verdade sobre como vocês ressuscitaram e quem os ressuscitou dentre os mortos.”
Quando os que haviam ressuscitado ouviram isso, disseram aos principais sacerdotes: “Deem-nos papel, tinta e caneta.”
Eles trouxeram essas coisas.
Capítulo 18
Quando se sentaram, começaram a escrever:
“Oh, Senhor Jesus Cristo, ressurreição e vida do mundo! Dai-nos a graça para fazermos o relato da tua ressurreição e das maravilhas que fizeste no Sub-Mundo.”
“Estávamos, então, no Sub-Mundo em companhia de todos os que haviam perecido desde o princípio.”
“E na hora da meia-noite amanheceu naquelas trevas, algo assim como a luz do sol, e com o seu brilho fomos todos iluminados e pudemos ver-nos uns aos outros.”
“Ao mesmo tempo, o nosso pai Abraão, os patriarcas e profetas e todos em uníssono regozijaram-se e disseram entre si: ‘Esta luz provém de um grande resplendor’.”
“Então o profeta Isaías, ali presente, disse: ‘Esta luz provém do Deus, sobre ela eu profetizei, quando ainda estava na terra, desta maneira: Terra de Zabulão e terra de Neftali, o povo, que estava sumido nas trevas, viu uma grande luz.”
“Depois, surgiu do meio um asceta do deserto, e os patriarcas perguntaram-lhe: ‘Quem sois’?”
“Ele respondeu: ‘Sou João, o último dos profetas, aquele que preparou os caminhos do Filho de Deus e pregou a penitência ao povo para remissão dos pecados. O Filho de Deus veio ao meu encontro e, ao vê-lo de longe, eu disse ao povo: ‘Eis aqui o cordeiro de Deus, aquele que tira os pecados do mundo’. E com minha própria mão, batizei-o no rio Jordão e vi o Espírito Santo em forma de pomba que descia sobre ele. Ouvi também a voz de Deus, PAI, que assim dizia: ‘Este é meu Filho amado, o que me agrada’.”
“E por isso mesmo também enviou-me a vós para anunciar-vos a chegada do Filho de Deus unigênito a este lugar, a fim de que aquele que acreditar nele seja salvo, e quem não acreditar, seja condenado.”
“Recomendo, portanto, a todos que agora o veem, adorem somente a ele. Porque esta é a única oportunidade de que dispões para se arrependerem pela adoração aos Arcontes enquanto viviam no mundo desprezível de antes e pelos pecados cometidos. Essa oportunidade não se repetirá.”
Capítulo 19
Enquanto João ensinava estas coisas aos que estavam no Sub-Mundo, Adão, o primeiro a ser formado e pai de todos, ouviu e falou a seu filho Seth : “Meu filho, quero que você diga aos descendentes da raça humana e aos profetas para onde te enviei quando caí e estava prestes a perecer.”
Seth disse: “Profetas e patriarcas, ouçam meu próprio pai, Adão, o primeiro ser humano a ser criado. Quando caiu à beira da morte, enviou-me para fazer uma petição a Deus, perto da porta do éden.”
“Para que ele pudesse me guiar por meio de um anjo até a árvore da misericórdia, para que eu pudesse tirar um pouco de óleo e ungir meu pai, para que ele se levantasse de sua doença. E eu fiz o que ele solicitou.”
“Depois de minha oração, um anjo do Senhor veio e me disse: ‘Seth, o que você está perguntando?”
“Você está solicitando o óleo que pode ressuscitar os enfermos ou a árvore da qual esse óleo flui, devido à doença do seu pai?”
“Você não poderá solicitar isso agora.”
“Vá embora e diga ao seu pai que, eras após a criação deste mundo, o Filho do Único descerá à terra, tornando-se humano, e o ungirá com este óleo.”
“Ele então surgirá e ele o remirá na água e no Espírito Santo, tanto a ele como aos que dele descendem. Então ele será curado de todas as doenças. Mas isso não é possível agora’.”
Quando os patriarcas e os profetas ouviram essas coisas, eles se alegraram muito.
Capítulo 20
E, enquanto estavam todos se regozijando desta forma, Belial, o herdeiro das trevas, veio e disse ao Hades: “Ó, tu, devorador insaciável de todos, ouve minhas palavras: anda por aí um certo judeu, de nome Jesus, que se chama a si Filho de Deus, mas, como é um homem puro, os judeus deram-lhe a morte na cruz, graças à nossa cooperação.”
“Agora, então, que acaba de morrer, estejas preparado para podermos colocá-lo aqui bem aprisionado. Pois sei que não é mais do que um homem, e ouvi-o até dizer: ‘Minha alma está triste devido à morte’.”
“Sabes, além disso, que ele me causou muitos danos no mundo enquanto vivia entre os mortais, pois onde quer que eu encontrasse meus servos, ele os perseguia.”
“E todos os homens que eu deixava mutilados, cegos, coxos, leprosos ou algo semelhante, ele os curava somente com sua palavra e até muitos deles, para os quais eu já havia preparado sepultura, ele fazia reviver somente com sua palavra.”
Disse então o Hades: “É ele tão poderoso assim que pode fazer tais coisas somente com sua palavra? E, sendo ele assim, tu porventura te atreves a enfrentá-lo? Creio que, diante de alguém como ele, ninguém poderá opor-se. E o que disseste tê-lo ouvido exclamar, expressando seu temor diante da morte, disse-o sem dúvida, para rir-se de ti e enganar-te, para poder desafiar-te com seu Poder. Então, ai! Ai de ti por toda a eternidade!”
Ao que Belial respondeu: “Há Hades, devorador insaciável de todos! Sentiste tanto medo assim ao ouvir falar de nosso inimigo comum? Eu nunca lhe tive medo, e bem que nutri os judeus, e eles o crucificaram e deram-lhe de beber fel com vinagre. Prepara-te, então, para que quando venha poder subjugá-lo firmemente.”
O Hades respondeu: “Herdeiro das trevas, filho da perdição, caluniador, acabas de dizer-me que ele fazia reviver somente com sua palavra a muitos dos que tu havias preparado para a sepultura. Se, pois, ele livrou outros do sepulcro, como e com que forças poderemos subjugá-lo? Recentemente devorei um cadáver chamado Lázaro, porém, pouco depois, um dos vivos, somente com sua palavra, arrancou-o à força das minhas entranhas. E penso que ele é o mesmo ao qual tu te referes. Se, pois, recebermos aqui, tenho medo de que corramos perigo também com relação aos demais, porque deves saber que vejo agitados todos os que devorei desde o princípio, e sinto dores em minhas entranhas.”
“E Lázaro, aquele que me foi arrebatado anteriormente, não é um bom presságio ao voar para longe de mim, não como um morto, mas sim como uma águia, tão rapidamente arremessou-o fora da terra. Assim, pois, conjuro-te por tuas artes e pelas minhas, não o tragas aqui. Tenho para mim que o fato de ele ter-se apresentado em nossa mansão quer dizer que todos os mortos cometeram pecado. E considera que, pelas trevas que possuímos, se o trouxeres aqui, não me restará nem um só dos mortos.”
Capítulo 21
Enquanto Belial e o Hades diziam tais coisas entre si, produziu-se uma grande voz, como um trovão, que dizia: “Elevai, ó, príncipes, vossas portas; abri, ó, portas eternas, e o Rei da Glória entrará.”
Quando o Hades ouviu isto, disse a Belial: “Sai, se és capaz, e enfrenta-o.” E Belial saiu.
Depois, o Hades disse para seus demônios: “Trancai bem e fortemente as portas de bronze e os ferrolhos de ferro; guardai minhas fechaduras e examinai tudo o que está em pé, pois, se aquele entrar aqui, ai! Se apoderará de nós.”
Os patriarcas que ouviram isto começaram a fazer-lhe zombarias, dizendo: “Comilão insaciável, abre para que o Rei da Glória entre.”
E o profeta Davi disse: “Não sabes, cego, que estando eu ainda no mundo, fiz esta profecia: ‘Elevai, ó, príncipes, vossas portas; e erguei-vos, ó, portais eternos, para que o Rei da Glória entre! Quem é este Rei da Glória? O Senhor forte e poderoso, o Senhor poderoso na batalha.’!”
Isaías, por sua vez, disse: “Eu, prevendo isto pela virtude do Espírito Santo, escrevi: “Os mortos ressuscitarão e os que estão nos sepulcros se levantarão e os que vivem na terra se alegrarão’; e onde estão, ó, morte, teus grilhões? Aonde, Hades, a tua vitória?”
Então, de novo, veio uma voz que dizia: “Levantai as portas.”
O Hades, que ouviu repetir esta voz, disse como se não se apercebesse: “Quem é este Rei da Glória?”
E os anjos do Senhor responderam: “O Senhor forte e poderoso, o Senhor poderoso na batalha.”
E num instante, à convocação de conjuração desta voz, as portas de bronze tornaram-se pequeninas e os ferrolhos de ferro ficaram reduzidos a pedaços, e todas as almas acorrentadas viram-se livres de suas correntes, e nós dentre eles.
Entrou o Rei da Glória na figura humana, e todos os antros escuros do Sub-Mundo foram iluminados.
Capítulo 22
Em seguida, o Hades começou a gritar: “Fomos vencidos, ai de nós! Mas quem és tu, que possuis tal poder e força? Quem és tu, que vens aqui sem pecado? Aquele que é pequeno na aparência e pode grandes coisas, o humilde e o maravilhoso, o servo e o senhor, o soldado e o rei, aquele que tem poder sobre os vivos e os mortos? Foste pregado à cruz e colocado no sepulcro, e agora ficaste livre e desfizeste nossa força. Então, és tu, porventura, Jesus, aquele de quem o grande Arconte Belial nos advertiu, dizendo que, através da cruz e da morte, te estabelecerias como senhor de todo o mundo?”
E então o Rei da Glória agarrou o grande Arconte Belial pelo pescoço e entregou-o aos seus anjos, dizendo: “Amarrai com correntes de ferro suas mãos, seus pés, seu pescoço e sua boca.”
Depois, colocou-o nas mãos do Hades com a seguinte recomendação: “Toma-o e o mantém bem preso até a minha segunda vinda.”
Capítulo 23
Então, o Hades encarregou-se de Belial e disse-lhe: “Belzebu, herdeiro do fogo e da tempestade, inimigo dos santos, que necessidade tinhas de providenciar para que o Rei da Glória fosse crucificado e que viesse depois aqui e nos despojasse?”
“Vira-te e olha que em mim não ficou nenhum morto, pois tudo o que ganhaste pela árvore da ciência puseste a perder pela cruz.”
“Todo o teu gozo converteu-se em tristeza, e a pretensão de matar o Rei da Glória provocou tua própria morte.”
“E, uma vez que te recebi com a recomendação de subjugar-te fortemente, aprenderás com a própria experiência quanto mal posso infligir-te.”
“O chefe dos demônios, princípio da morte, raiz do pecado, final de toda maldade, que encontraste de mal em Jesus para buscar sua perdição?”
“Como tiveste coragem para perpetrar um crime tão grande?”
“Por que te ocorreu fazer um homem como este descer até as trevas, pois as despojou de todos os que morreram desde o princípio?”
Capítulo 24
Enquanto o Hades advertia assim, Belial, o Rei da Glória estendeu sua mão direita e com ela pegou e levantou o primeiro pai, Adão.
Depois, dirigiu-se aos demais e disse-lhes: “Vinde aqui comigo todos os que foram feridos de morte pelo madeiro que me tocou, pois eis aqui que eu vos ressuscito pela madeira da cruz.”
E com isto levou todos para fora. O primeiro pai, Adão, apareceu transbordante de gozo e dizia: “Agradeço, Senhor, tua grandeza por me haver tirado do mais profundo do Sub-Mundo.”
E também todos os profetas e santos disseram: “Damos-te graças, ó, Cristo Salvador do mundo, porque tiraste nossa vida da corrupção.”
Após assim haverem falado, o Salvador abençoou Adão na testa com o selo de luz.
Depois, fez o mesmo com os patriarcas, profetas, mártires e progenitores.
E a seguir, pegou-os a todos e deu um salto do Sub-Mundo.
Enquanto ele caminhava, os santos patriarcas seguiam-no cantando e dizendo: “Bendito aquele que vem em nome do Senhor. Aleluia! Sejam para ele os louvores de todos os santos.”
Capítulo 25
Guiado por anjos pelas mãos, o primeiro pai, Adão, foi conduzido em direção ao Oitavo Aeon Eterno. Ao alcançar seu destino, ele foi entregue, assim como os patriarcas e outros justos, ao arcanjo Miguel.
Ao chegarem ao portal do Oitavo Aeon Eterno, no limiar entre o sétimo céu do Caos e o Pleroma, os santos patriarcas viram um ancião envolto em luz resplandescente.
Então, um dos justos que ascendia com eles se juntou ao ancião no portal naquele instante.
Vendo isso, os patriarcas, maravilhados, perguntaram: “Quem sois vós, que ascendeis conosco e vos unis a este ancião?”
Então, o ancião resplandecente se adiantou e respondeu: “Sou Enoch, aquele que agradou ao Senhor e foi trazido aqui por Ele.
O que se juntou a Enoch declarou: “Sou João, chamado Batista, mas em minha essência sou Elias, o Tesbita, profeta elevado ao céu. Estive no Sub-Mundo, mas minha luz foi liberta pelo Logos.”
Surpresos, os que estavam com ele exclamaram: “Então és Elias, que havia de vir!”
Então, Enoch e Elias confirmaram: “Sim, e guiaremos os justos até o fim dos tempos. Ambos seguiremos até a consumação dos séculos, então seremos enviados pelo salvador para enfrentar o anticristo e ser mortos por ele, e ressuscitar no terceiro dia, para depois sermos arrebatados pelas nuvens ao encontro do Senhor.”
Capítulo 26
Enquanto eles assim se expressavam, veio outro homem de aparência humilde, que levava ainda sobre os seus ombros uma cruz.
Os patriarcas disseram-lhe: “Quem és tu, que tens o aspecto de malfeitor, e que é essa cruz que levas sobre teus ombros?”
Ele respondeu: “Eu, segundo dizes, era ladrão e assaltante no mundo e por isso os judeus prenderam-me e entregaram-me à morte na cruz juntamente com Nosso Senhor Jesus Cristo. E enquanto ele pendia na cruz, ao ver os prodígios que se sucederam, acreditei nele e roguei a ele, dizendo: ‘Senhor, quando reinares, não te esqueças de mim’.”
Ele logo disse-me: ‘Em verdade, te digo, hoje mesmo estarás comigo no Aeon Eterno’.
“Vim, pois, com minha cruz nas costas, até o Aeon e, encontrando o arcanjo Miguel, disse-lhe: ‘Nosso Senhor Jesus, aquele crucificado, enviou-me aqui. Leva-me, então, até o portal do Aeon’.”
“E quando a espada de fogo viu o sinal da cruz, abriu-me a porta e entrei.”
“Depois, o arcanjo disse-me: ‘Espera um momento, já que também deve vir o primeiro pai da raça humana, Adão, em companhia dos justos, para que eles também entrem. E agora, ao vê-los, saí ao vosso encontro’.”
Quando os santos ouviram isso, exclamaram em voz alta da seguinte maneira: “Grande é o nosso Senhor e grande é o seu Poder.”
Capítulo 27
“Tudo isto vimos e ouvimos, os dois irmãos gêmeos, que fomos também enviados pelo arcanjo Miguel e designados para pregar a ressurreição do Senhor antes de irmos até o Jordão e sermos batizados. Para ali fomos e fomos batizados juntamente com outros defuntos também ressuscitados, depois viemos a Jerusalém e celebramos a Páscoa da ressurreição.”
“Mas agora, na impossibilidade de permanecermos aqui, nós vamos. Que a caridade, então, do PAI e a graça de Nosso Senhor Jesus Cristo e a notícia do Espírito Santo estejam convosco.”
E, uma vez isto escrito e fechados os livros, deram a metade aos sacerdotes e a outra metade a José e a Nicodemos. Eles, por sua vez, desapareceram imediatamente para a glória de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Amém.
Capítulo 28
Nicodemos relatou todas as coisas que aconteceram depois da crucificação e do sofrimento de nosso Senhor e as entregou aos sumos sacerdotes e aos outros judeus.
O mesmo Nicodemos compilou estes escritos na língua hebraica.
Estas coisas aconteceram no décimo quinto ano do governo de Tibério César, imperador dos romanos, e no décimo nono ano do governo de Herodes, rei da Galileia, oito dias antes das calendas de abril. Isto é, no dia 25 de março, durante o consulado de Rufo e Rubélio, no quarto ano da ducentésima segunda Olimpíada, quando José Caifás era o sumo sacerdote dos judeus.
Eu, Ananias, membro da guarda do procurador, conhecedor da lei, conheci nosso Senhor Jesus Cristo pelas divinas Escrituras, vindo a ele pela fé e sendo considerado digno do santo batismo. Procurei os registros públicos compostos naquela época, nos dias de nosso mestre Jesus Cristo, que os judeus estabeleceram sob Pôncio Pilatos.
Encontrei estes registros públicos escritos em hebraico, e com o prazer de Deus os traduzi para o grego, para que todos os que invocam o nome de nosso Senhor Jesus Cristo possam conhecê-los. Isto fiz no décimo sétimo ano do reinado do imperador Flávio Teodósio, no sexto ano de Flávio Valentiniano, na nona indicação.
Todos vocês que leem esses registros e os copiam em outros livros, lembre-se de mim e ore por mim, para que Deus seja misericordioso comigo e tenha misericórdia dos pecados que cometi contra ele.
A paz esteja com aqueles que leem e aqueles que ouvem, juntamente com suas famílias.
Amém.
Intervalo estimado de datação: 150-255 d.C.
J. Quasten escreve ( Patrologia , v. 1, pp. 115-116):
A tendência a minimizar a culpa de Pilatos, encontrada no Evangelho segundo Pedro, demonstra o grande interesse com que o cristianismo antigo considerava sua pessoa. A posição proeminente ocupada por Pôncio Pilatos no pensamento cristão primitivo é ainda mais evidenciada pelo Evangelho de Nicodemos . A essa narrativa foram incorporados os chamados Atos de Pilatos , um suposto relatório oficial do procurador a respeito de Jesus. Alguns Atos de Pilatos, aparentemente, eram conhecidos já no século II. Justino Mártir observa em sua primeira Apologia (35), após mencionar a paixão e crucificação de Jesus: "E que essas coisas aconteceram, você pode verificar pelos Atos de Pôncio Pilatos". Uma declaração semelhante ocorre no capítulo 48. Tertuliano se refere duas vezes a um relatório feito por Pilatos a Tibério. Segundo ele, Pôncio Pilatos informou o Imperador da injusta sentença de morte que ele havia pronunciado contra uma pessoa inocente e divina; o Imperador ficou tão comovido com seu relato dos milagres de Cristo e sua ressurreição, que propôs a recepção de Cristo entre os deuses de Roma. Mas o Senado recusou (Apologeticum 5). Em outro lugar, Tertuliano diz que "toda a história de Cristo foi relatada a César — na época, Tibério — por Pilatos, que já era cristão em seu íntimo" ( Apol. 21, 24). Vemos aqui a tendência em ação de usar o procurador romano como testemunha da história da morte e ressurreição de Cristo e da verdade do cristianismo.
O Evangelho de Nicodemos preserva um documento conhecido como Acta Pilati nos capítulos 1 a 11, com uma adição nos capítulos 12 a 16, enquanto os capítulos 17 a 27 são chamados de "Decensus Christi ad Inferos". Quasten escreve: "Toda a obra, que em um manuscrito latino posterior é chamada de Evangelium Nicodemi , deve ter sido composta no início do século V, mas parece ser mais ou menos uma compilação de material mais antigo." ( Patrologia , vol. 1, p. 116) É possível que o material no Evangelho de Nicodemos tenha sido escrito para refutar os Atos pagãos de Pilatos criados em 311, mencionados por Eusébio:
Tendo forjado, com certeza, Memórias de Pilatos e Nosso Salvador, cheias de todo tipo de blasfêmia contra Cristo, com a aprovação de seu chefe, eles as enviaram para todas as partes de seus domínios, com decretos de que deveriam ser exibidas abertamente para todos verem em todos os lugares, tanto na cidade quanto no campo, e que os professores primários deveriam dá-las às crianças, em vez de lições, para estudo e memorização. ( HE 9.5.1)
FF Bruce escreve ( Os documentos do Novo Testamento: são confiáveis? ):
Gostaríamos especialmente de saber se Pilatos enviou a Roma algum relatório sobre o julgamento e a execução de Jesus e, em caso afirmativo, o que continha. Mas não é certo que o tenha feito; e, se o fez, desapareceu sem deixar vestígios.
Certamente, alguns escritores antigos acreditavam que Pilatos havia enviado tal relatório, mas não há evidências de que algum deles tivesse conhecimento real dele. Por volta de 150 d.C., Justino Mártir, dirigindo sua Defesa do Cristianismo ao Imperador Antonino Pio, referiu-se ao relatório de Pilatos, que Justino supôs estar preservado nos arquivos imperiais. "Mas as palavras: 'Eles perfuraram minhas mãos e meus pés'", diz ele, "são uma descrição dos pregos que foram fixados em Suas mãos e Seus pés na cruz; e depois que Ele foi crucificado, aqueles que O crucificaram lançaram sortes sobre Suas vestes e as dividiram entre si; e que essas coisas foram assim, você pode aprender pelos 'Atos' que foram registrados sob Pôncio Pilatos." Mais tarde, ele diz: "Que Ele realizou esses milagres, você pode facilmente se convencer pelos 'Atos' de Pôncio Pilatos."
Então, Tertuliano, o grande jurista-teólogo de Cartago, dirigindo sua Defesa do Cristianismo às principais autoridades da província da África por volta de 197 d.C., diz: "Tibério, em cuja época o nome cristão apareceu pela primeira vez no mundo, apresentou ao Senado notícias da Síria Palestina que lhe haviam revelado a verdade da divindade ali manifestada, e apoiou a moção com seu próprio voto, desde o início. O Senado a rejeitou por não ter dado sua aprovação. César manteve sua própria opinião e ameaçou colocar em perigo os acusadores dos cristãos."
Sem dúvida seria agradável se pudéssemos acreditar nessa história de Tertuliano, que ele manifestamente acreditava ser verdadeira, mas uma história tão inerentemente improvável e inconsistente com o que sabemos de Tibério, relatada quase 170 anos após o evento, não se recomenda ao julgamento de um historiador.
Quando a influência do cristianismo crescia rapidamente no Império, um dos últimos imperadores pagãos, Maximino II, dois anos antes do Édito de Milão, tentou desacreditar o cristianismo publicando o que ele alegava serem os verdadeiros "Atos de Pilatos", representando as origens do cristianismo sob uma aparência desagradável. Esses "Atos", repletos de afirmações ultrajantes sobre Jesus, precisavam ser lidos e memorizados por crianças em idade escolar. Eram manifestamente falsificados, como o historiador Eusébio apontou na época; entre outras coisas, sua datação estava completamente errada, pois situavam a morte de Jesus no sétimo ano de Tibério (20 d.C.), enquanto o testemunho de Josefo é claro de que Pilatos só se tornou procurador da Judeia no décimo segundo ano de Tibério (sem mencionar a evidência de Lucas 3:1, segundo a qual João Batista começou a pregar no décimo quinto ano de Tibério). Não sabemos em detalhes o que esses supostos 'Atos' continham, pois foram naturalmente suprimidos com a ascensão de Constantino ao poder; mas podemos supor que eles tinham alguma afinidade com Toledoth Yeshu, uma compilação anticristã popular em alguns círculos judaicos na época medieval.
Mais tarde, no século IV, surgiu outro conjunto falsificado de "Atos de Pilatos", desta vez do lado cristão, tão desprovido de autenticidade quanto os de Maximino, aos quais talvez se destinassem a servir de contraponto. Eles ainda existem e consistem em supostos memoriais do julgamento, paixão e ressurreição de Cristo, registrados por Nicodemos e depositados com Pilatos. (Também são conhecidos como o "Evangelho de Nicodemos".) Uma tradução deles é dada no Novo Testamento Apócrifo de M.R. James , pp. 94 e seguintes, e eles têm um interesse literário próprio, que não nos interessa aqui.
J. Quasten escreve: "A peça mais antiga da literatura cristã de Pilatos parece ser 'O Relatório de Pilatos ao Imperador Cláudio', que foi inserido em grego nos últimos Atos de Pedro e Paulo e é apresentado em tradução latina como um apêndice do Evangelium Nicodemi . É provável que este relatório seja idêntico ao mencionado por Tertuliano. Se isso for verdade, deve ter sido composto antes do ano 197 d.C., época do Apologeticum de Tertuliano ." ( Patrologia , vol. 1, p. 116)
WALKER, Alexander (Ed.). Apocryphal Gospels, Acts, and Revelations. T. & T. Clark, 1870.
EHRMAN, Bart; PLESE, Zlatko. The apocryphal gospels: Texts and translations. OUP USA, 2011.
newadvent.org - The Gospel Nicodemus
web.archive.org - The Gospel Nicodemus